sexta-feira, 29 de abril de 2011

UM, DOIS, FEIJÃO COM ARROZ...

As parlendas, como essa que dá o título a este artigo,  são um gênero literário em que se privilegia o ritmo e a sonoridade das palavras, encadeando-as de maneira a produzir uma leitura agradável e divertida. Os versos ou frases das parlendas podem ser rimados ou não. Na maioria das vezes se usa o humor e o “non sense”, pois o mais importante é o aspecto lúdico, o puro prazer que a parlenda pode trazer no enfoque e na forma de tratamento que dá ao tema. Vejam este exemplo clássico de parlenda:
“Debaixo da pia há um pinto que pia.
Quanto mais a pia pinga mais o pinto pia.
A pia pinga, o pinto pia,
pinga a pia, pia o pinto.
O pinto perto da pia, a pia perto do pinto.”

Essa parlenda chega a ser quase um tautograma, pois nela há uma certa predominância de palavras iniciadas pela letra “p”. Mas o forte da parlenda são as inversões de sentido entre verbo e substantivo (pia, do verbo piar e pia, utensílio doméstico…) e o inusitado da situação, bem como o divertido tratamento dado ao texto.
Quando o texto traz um certo grau de dificuldade em sua pronúncia, a parlenda pode ser chamada de “trava-língua”. São aqueles textos difíceis de serem lidos sem qualquer tropeço. Como o “peito do pé do Pedro é preto…” Ou como o clássico “três pratos de trigo para três tristes tigres…”
Parlendas são manifestações literárias tradicionais, muitas delas de domínio popular, que vão sendo alteradas ao longo do tempo e conforme o lugar. A maioria delas tem forte presença no imaginário popular e muitas delas integram o nosso folclore.
Pode existir diferentes versões de uma mesma parlenda, com pequenas variações, conforme a região. Por exemplo, a clássica parlenda “Hoje é Domingo”… tem as variações: “Hoje é domingo/pede cachimbo…” e também: “Hoje é domingo/pé de cachimbo…” Outras variações: algumas  vezes se vê:  “bate no touro…” Outras vezes, “dá no touro…”…  São pequenas variações, de acordo com a região.
As parlendas não são cantadas, mas sim, declamadas em forma de texto, que podem ter uma variação na quantidade de sílabas métricas nos versos.
O forte de uma parlenda é o ritmo que ela propicia, associando rima e repetições com os temperos do humor e do “non sense”, além de sua grande capacidade para estabelecer associações de idéias de uma forma dinâmica, à moda do “mundo dos sonhos”.
Vejam este exemplo:
“Meio-dia,
panela no fogo,
barriga vazia,
macaco torrado
que vem da Bahia,
panela de doce
para dona Maria.”

As parlendas misturam realidade e fantasia, trazendo fruições prazerosas ao leitor que delas se utiliza como forma de “brincar com as palavras”, como diria o saudoso José Paulo Paes. Parlendas são brincadeiras. Brincadeiras com palavras. Não tem nenhum compromisso em ensinar alguma coisa. Apesar de tudo, ensinam. Números, dias da semana, nomes de frutas, pratos típicos, animais, ditos populares, tudo cabe numa parlenda.
Exemplo disso é a clássica parlenda:
“Um, dois, feijão com arroz.
Três, quatro, pirão no prato.
Cinco, seis, bolo inglês.
Sete, oito, café com biscoito.
Nove, dez, burro que és!”

E assim elas são uma verdadeira “salada” que pode ser saboreada como um delicioso alimento para todos nós, para todos aqueles que ainda cultivam a sua “criança interior”. E que sabem, também, sorrir: de si mesmos e da vida.
Então, repitam comigo:
Hoje é domingo,
pede cachimbo.
O cachimbo é de barro,
bate no jarro.
O jarro é fino,
bate no sino.
O sino é de ouro,
bate no touro.
O touro é valente,
bate na gente.
A gente é fraco,
cai no buraco.
O buraco é fundo,
acabou-se o mundo.

(José de Castro, Natal(RN), 29/04/2011)

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